quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

QUADRILHA


(Christian Neuenschwander)


Adolescente suspeito de roubo é morto por populares. Está é a manchete. Agora, para aumentar a dramaticidade, vamos dar uma idade hipotética para o adolescente, quinze anos. – Alguém que, em tese, está a menos tempo no mundo que qualquer um ali, na multidão que o devorou. Ok, quinze anos terá o nosso rapaz. Ainda no caminho da piedade, ao invés de suspeito, o chamaremos logo de ladrão.

O que roubou? O dinheiro de um caixa de supermercado. Talvez um pacote de fraldas. Uma velha distraída ou outro adolescente (este bobo e medroso). Enfim, roubou. Estava armado. Os motivos do roubo podiam ser vários: Da mãe enferma a um dívida com traficantes; da namorada querendo abortar até um videogame para sí; do show de música sertaneja ao natal... Roubou. Pronto. Apropriou-se do que não era dele, assim como eu roubei um livro na livraria cultura de Curitiba; assim como Laurito roubava minhas lapiseiras e o zelador daqui do prédio roubava as lâmpadas e os interfones dos prédios vazios e Monique roubava vinhos da patroa para bebermos e... Flagrado, o rapaz correu.

Correu, pois ladrões que somos (ainda que de ar, água ou idéias) sabemos que vergonha maior é não concluir o delito. A multidão, aumenta. O rapaz entra num beco, que como a vida, não tem saída. Pronto. Finito. Kaputt. Acabou. Cada paulada. Cada xingamento é uma flor atirada no tumulo de nosso melhor rapaz. Morreu.

No dia seguinte, o jornalista do programa de crimes ou de humor criminal, dirá: Que é cristão; que a impunidade é o leitmotiv dos linchamentos; que o CAFÉ H É O MELHOR; que a diretora do programa sofre de trombose e no fim, entre piadas e caras sérias, reprisará o depoimento de um dos linchadores, que tentando se justificar, alega que caso fosse preso, no mês seguinte o rapazote já estaria na rua – e quem sabe – matando, roubando e se prostituindo... Um vidente. O apresentador não dirá nada. É um centroavante medíocre. Só escora. Só espreita. É a voz do povo. O pedido de alerta. O menestrel do terror.

Na mesma noite, o cronista encontrará o apresentador numa casa onde mulheres desnudas vendem seu amor. O cronista pensara, ué? Mas ele não era cristão? Citou até trechos da bíblia enquanto condenava o roubo do ladrãozinho e o linchamento/julgamento das pessoas. Não era homem de bem?

Na mesa do cronista, alguém dirá, fugindo totalmente do cenário, que o problema são as culpas. Se há culpa. Há pecado. Outro sugere a hipotética imagem de um tribunal cheio de juízes. No dia seguinte, por não beber, a única ressaca do cronista é abrir os jornais. Neste, a nova manchete mostrara um marido que matou a esposa e antes de soltar um balaço na própria cabeça, a abraçou. Ela não o queria mais. A foto, me faz lembrar dos pais do ladrão de ontem. Em algum aplicativo de celular, outros continuarão matando o rapaz. O ladrão era negro. O casal também. Piedade só nós ônibus que cruzam a Fernandes Lima...

Cid Brasil

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